Tânia Dinis • Responsável pela Área de Financiamentos de Longo Prazo (CIB) no Banco ABSA Moçambique

Moçambique, uma terra de contrastes, e onde coexistem centros urbanos movimentados com extensões rurais tranquilas, enfrenta uma miríade de desafios, desde o acesso limitado à educação e aos cuidados de saúde até às vias financeiras restritas, principalmente para mulheres desfavorecidas. Neste cenário vivo e enérgico, o investimento de impacto tem potencial para remodelar a dinâmica socioeconómica, permitindo às mulheres rurais redefinir os seus destinos.

A narrativa de Moçambique pós-independência, em 1975, está repleta de agitação civil, convulsões políticas e desafios económicos. O acordo de paz assinado em 1992 abriu caminho para um ambiente político e económico estável. Esta transformação posicionou Moçambique como um destino promissor para investimentos estrangeiros, tendo registado, em 2022, um Investimento Directo Estrangeiro de 1,9 mil milhões de dólares (o equivalente a 11,7%% do Produto Interno Bruto). De acordo com o Banco Mundial, após uma recuperação modesta em 2021, o crescimento do PIB acelerou em 2022, atingindo 4,2 %, e deverá acelerar para perto de 6,0 % em 2023, indicando uma economia em ascensão.

Aproximadamente 66 % dos 33 milhões de habitantes de Moçambique vivem e trabalham em zonas rurais, confrontando-se com as duras realidades da pobreza, como falta de infra-estruturas e acesso limitado a bens e serviços básicos, apesar de o País ser dotado de amplos recursos, incluindo vastas terras aráveis, abundantes fontes de água, energia e recursos minerais, bem como depósitos de gás natural ao largo da sua costa.

As mulheres rurais desempenham um papel essencial em todo este cenário. Muitas vezes como prestadoras de cuidados primários e contribuidoras significativas em todos os sectores-chave. A sua emancipação e capacitação traduzem-se em desenvolvimento comunitário mais amplo. No entanto, as barreiras sistemáticas à educação, aos cuidados de saúde e aos serviços financeiros têm historicamente limitado o seu potencial.

Educação: Moçambique tem disparidades de género acentuadas. Dados do Banco Mundial sugerem que as mulheres no País completam, em média, apenas 1,4 anos de escolaridade, dois anos abaixo da média escolar entre os homens (3,4 anos) e 34% das mulheres rurais concluem o ensino secundário, em oposição a 45% dos seus homólogos masculinos. Como as mulheres moçambicanas são geralmente as responsáveis por cuidar dos seus filhos e da casa, a baixa escolaridade perpetua um fraco sistema de educação e saúde para as crianças.

As mulheres rurais desempenham um papel crucial contribuindo em todos os sectores-chave

Agricultura: mais de 70% da força de trabalho de Moçambique é agrícola, com uma parcela significativa de mulheres. No entanto, o acesso inadequado às técnicas agrícolas modernas, ao capital e aos mercados inibe o crescimento. É aqui que investimentos de impacto podem catalisar a mudança.

Saúde: o acesso aos serviços de saúde é desigual. As mulheres rurais, por exemplo, enfrentam desafios no acesso aos cuidados de saúde materna. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, Moçambique tem uma das taxas de mortalidade materna mais elevadas a nível mundial, sendo a maioria dos casos provenientes de áreas rurais.

Participação Económica: a disparidade salarial entre homens e mulheres persiste. Embora as mulheres constituam uma parte significativa da força de trabalho agrícola, os seus rendimentos são substancialmente inferiores ao dos seus homólogos. Além disso, o seu acesso ao crédito e aos recursos empresariais é limitado.

Momentum de Investimento de Impacto:

Ao longo da última década, Moçambique atraiu um interesse significativo de investidores de impacto. Os investimentos centram-se predominantemente em sectores como a agricultura, a saúde, a educação e as energias renováveis, beneficiando directamente a população rural, especialmente as mulheres. Projectos voltados para a agricultura sustentável, agricultura orgânica e as unidades de transformação agrícola ampliaram os rendimentos e também garantiram melhores taxas de mercado, beneficiando as mulheres agricultoras.

Investimentos em centros de saúde comunitários e escolas, especialmente em áreas remotas, tornaram os cuidados de saúde e a educação mais acessíveis. Os programas destinados especificamente às raparigas e às mulheres, como a formação profissional e a educação de adultos, têm ganhado atenção. Com vastas áreas rurais fora da rede eléctrica, os projectos de energias renováveis, especialmente a solar, revolucionam o País. Isto facilita a vida quotidiana e ajuda as microempresas lideradas por mulheres.

Mais de 200 oportunidades de investimento de impacto no valor superior a 1,5 mil milhões de dólares estão disponíveis em Moçambique, de acordo com a Corporação Financeira Internacional e, embora a dinâmica seja promissora, os desafios persistem. Políticas inconsistentes e obstáculos burocráticos podem dissuadir os investidores. A falta de infra-estruturas básicas em muitas regiões pode impedir a implementação de projectos, e as normas sociais profundamente enraizadas podem, por vezes, dificultar as iniciativas de emancipação das mulheres. Para superar estes desafios, é necessária uma abordagem multifacetada. O investimento em infra-estruturas financeiras e tecnológicas, como a banca móvel, pode ajudar a expandir o acesso aos serviços financeiros nas zonas rurais. Além disso, abordar as normas culturais e os preconceitos de género através de campanhas educativas e de sensibilização é crucial para promover um ambiente que permita a participação económica das mulheres.

Uma área-chave onde o investimento de impacto tem um papel significativo é o acesso ao financiamento. Os fundos de investimento de impacto intervêm para colmatar uma lacuna existente em relação ao financiamento comercial convencional. Estes fundos provêm de capital paciente (patient capital) para empresas lideradas por mulheres, permitindo-lhes aceder a recursos financeiros cruciais. Ao concentrarem-se no impacto social e não apenas nos retornos financeiros, estes investidores reconhecem o potencial transformador das mulheres rurais como empreendedoras e criadoras de emprego.

O investimento de impacto também pode ser alcançado através da colaboração com iniciativas governamentais. Por exemplo, em 2023, o Banco Mundial aprovou um crédito de 300 milhões de dólares para o projecto “Mais Oportunidades em Moçambique”, previsto para decorrer entre 2023-2029. Este projecto está alinhado com a iniciativa de reforma económica de Moçambique (PAE). Introduz, de forma pioneira, um Fundo de Garantia de Crédito para estimular o sistema bancário e facilitar o financiamento às PME, especialmente àquelas pertencentes a mulheres ou àquelas em áreas vulneráveis ao clima. Além disso, visa aumentar as oportunidades económicas, melhorando o ambiente de negócios, ampliando o acesso ao mercado e oferecendo formação e financiamento.

Apesar dos desafios previamente mencionados, existem várias iniciativas bem-sucedidas, como é o caso do projecto de revitalização do caju. Em 2020, Moçambique produziu 160 000 toneladas de castanha de caju, tornando-se o quarto maior produtor do continente, depois da Nigéria, Costa do Marfim e Guiné-Bissau. Actualmente, este sector está a ser revitalizado, transformando-se de forma que seja mais sustentável e inclusivo. As práticas agrícolas sustentáveis foram reconhecidas por várias organizações internacionais, como o World Wildlife Fund (WWF).

A terra é abundante no País, pelo que o seu potencial de produção permanece largamente inexplorado, apresentando uma oportunidade significativa para se aumentar a produção e competir com os principais intervenientes de vários mercados, a nível mundial.

Papel das Instituições Financeiras no Apoio ao Investimento de Impacto em Moçambique

Embora os projectos de base e os investidores de impacto externo desempenhem um papel crucial na promoção de mudanças positivas em Moçambique, as instituições financeiras nacionais não podem ser ignoradas. O seu envolvimento sublinha um profundo compromisso com a melhoria socioeconómica e o desenvolvimento sustentável a partir da própria infra-estrutura do País.

Mobilização de capital: para corresponder à população jovem e em rápida expansão, que se prevê atingir os 50 milhões até 2040, é necessário gerar 500 000 empregos anualmente. Este é um salto enorme em relação aos actuais 25 000 empregos formais criados todos os anos, exigindo um aumento de 20 vezes. Porém, o sector privado que, em grande parte, é constituído por pequenas e médias empresas, tem dificuldade em oferecer vagas de emprego adequadas. Uma razão significativa para este desafio reside nas barreiras à garantia de recursos financeiros, especialmente ao crédito. No entanto, ao canalizar recursos locais, as instituições financeiras e os bancos em Moçambique têm o potencial de iniciar projectos impactantes, oferecendo empréstimos, créditos e subvenções, garantindo que estas iniciativas tenham o apoio financeiro necessário para começar e durar.

Colmatar Lacunas de Conhecimento: embora os investidores externos tragam capital, muitas vezes carecem de conhecimentos locais complexos. Os bancos locais, tendo uma visão do tecido socioeconómico do País, podem orientar estes investidores, garantindo que os fundos sejam canalizados para projectos genuinamente impactantes. Fornecer produtos financeiros adaptados ao investimento de impacto: reconhecendo o potencial e a importância do investimento de impacto, alguns bancos moçambicanos começaram a elaborar produtos financeiros especificamente concebidos para este nicho. Estes podem variar entre empréstimos especiais com taxas de juro favoráveis para projectos de energia verde até regimes de micro-financiamento destinados a mulheres empresárias.

Mitigação de Riscos: as instituições financeiras nacionais também podem aumentar a confiança dos investidores estrangeiros. Com os bancos locais a partilhar alguns encargos financeiros, os investidores externos podem sentir-se mais seguros para direccionar os seus fundos para projectos de impacto em Moçambique.

Capacitação e Formação: as instituições financeiras não oferecem apenas apoio monetário. Muitas vezes incluem um conjunto de serviços, tais como programas de capacitação, formação e literacia financeira. Estes são inestimáveis para as comunidades locais e para os empresários, capacitando-os com o conhecimento e as competências necessárias para aproveitar ao máximo os fundos investidos.

Advocacia Política: dada a sua posição influente no ecossistema económico, estas instituições também podem desempenhar um papel fundamental na defesa de políticas. Ao influenciar novos regulamentos e quadros legais que favoreçam o investimento de impacto, podem abrir caminho para mais iniciativas deste tipo no futuro.

Permitir a inclusão financeira através do microfinanciamento: a falta de acesso a serviços financeiros formais é um desafio significativo enfrentado pelas mulheres rurais em Moçambique. O investimento de impacto em instituições de micro-financiamento permite que as mulheres rurais tenham acesso a crédito, poupança e produtos de seguros adaptados às suas necessidades. Isto permite-lhes iniciar e desenvolver os seus próprios negócios, quebrando o ciclo da pobreza e promovendo a independência económica.

Para que Moçambique beneficie verdadeiramente do investimento de impacto, é vital um modelo sustentável que dê prioridade às necessidades locais e aproveite o conhecimento rural. Envolver as mulheres rurais nos processos de tomada de decisão, desenvolver as suas competências e proporcionar-lhes acesso aos recursos necessários pode criar um efeito cascata, beneficiando comunidades inteiras.

Moçambique, tal como muitas nações africanas, encontra-se num momento crucial. O investimento de impacto oferece um caminho promissor, especialmente para as mulheres rurais. Ao aprender com modelos de sucesso de outros países em desenvolvimento e ao capitalizar as oportunidades actuais, Moçambique pode preparar o caminho para um futuro mais brilhante e mais inclusivo.